segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

“Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito do qual,
no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior do que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do quê: que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes.
Pois sei que — em termos de nossa diária
e permanente acomodação resignada à irrealidade
— essa clareza de realidade é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.
Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Clarice Lispector .

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